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segunda-feira, janeiro 30, 2012

Retomadas*

Estou retomando, ainda que morosamente, um velho hábito de despejar letras quaisquer neste blog inútil (ao fortuito leitor que por acidente o adentre, evidentemente). A mim, escrever por escrever tem um significado muito relevante e não preciso me dar ao trabalho de explicar, aqui. Havia suspendido tal passatempo por um bom tempo e verifiquei que no ano de dois mil e onze eu não registrei uma postagem sequer. Confesso que me assustei com o tamanho do intervalo. O susto se deu porque neste estranho ínterim o acesso a ele nunca me foi dificultado, a graça dos serviços de internet sempre esteve comigo onde quer que eu estivesse e que invalida qualquer justificativa nesse sentido.

Pensei muitos bobagens - aparentemente - sem sentido, tais como, se as pessoas trabalham todos os dias, de modo tantas vezes tão enfadonhos, porque afinal abandonariam subitamente a escrita por conta própria sabendo que tal atividade funciona quando se tem apenas prazer? Ademais, nem gastamos tanta energia assim ao digitar alguns registros de inquietações quase naturais, ora tolos ora aprendizados, sem maiores pretensões naquelas horas amenas. O dinheiro (muitas vezes censurado como "ganha-pão") certamente tem sua interferência nisso, óbvio. E é lamentável saber como ele interfere meio inconscientemente nas prioridades do indivíduo nas questões do dia a dia. Mas, ainda assim, não foi essa a razão para o tamanho do intervalo.

Eu mudei, e mudei bastante neste mesmo estranho ínterim. Nem para pior, nem para melhor. Apenas mudei. O interessante é o tamanho da mudança. Um ano foi o suficiente para começar a pensar muita coisa diferente, e ser ainda mais convicto em determinadas questões que já me eram caras desde antes. O ano de dois mil e onze se destaca pelo meu silêncio sem propósito e absoluto aqui, pois poderia ter registrado muitos elementos interessantes da minha inevitável transformação. E neste tempo aconteceu muita coisa em minha vida. Tantas foram que revelam-se por si mesmas em situações quase inacreditáveis. Quase todas repentinas e quantitativamente elevadas.

Defendi uma dissertação de mestrado. Fui convocado (antes da defesa) em um concurso público (inesperado) que me levou a residir - corajosamente - em outro estado, outra cidade na qual não tinha qualquer vínculo senão através de um ex-casal de amigos. Eles se separaram tão rapidos quanto a minha mudança de cidade, pois da convocação à decisão foram apenas treze dias que me concederam. Meros treze dias para construir um novo lar. Saí da casa dos pais pela primeira vez sem que eu pudesse imaginar que a saída se desse de modo tão radical. Assumi cargo de responsabilidade alta sem nunca ter tido experiência à altura, e apenas tive a prática como método de aprendizagem. Como dizem em minha terra, tive que aprender "na tora" (i.e, sem alternativas). Nesse tempo, tive dificuldades em retomar o formato original do trabalho de campo, peça fundamental num processo de pesquisa em Antropologia. Fiquei muito preocupado com tudo isso, e consegui finalizar com muito esmero embora não tivesse "boas" testemunhas. E isso pouco me importa. Levantei dados essenciais com muita sorte, logo nas primeiras viagens, como se o tempo que vivia já soubesse misteriosamente do que viria a me ocorrer, resolvendo me ajudar.

Tive também que fazer amigos urgentes, para não sucumbir ao tédio de apenas trabalhar e comer numa cidade inicialmente hostil. E aqueles que conheci são bastante diferentes dos tradicionais, originais. Consegui aprender que o processo de construção de novas amizades são fenômenos realmente surpreendentes, ainda mais quando estamos nos sentindo um tanto estranhos em meio aos processos juvenis de criação da relação cotidiana com seus pares. Esse processo, estou convencido, é embebido em valores de etnicidade. Muitas vezes latente, mas sempre ali, presente em cada grupo, por mais sutil que seja a fronteira. Presente sobretudo em mim, por mais "super antropólogo" que eu tentasse ser.

Neste estranho ínterim vi a aproximação de muitos "Xenos", os quais canibalizei. Mas não esperava que esse ato acarretasse em mudanças tão abruptas e extremas. Dissolvi fronteiras antigas para erguer novas fronteras. Tão rígidas ao tempo que tão flácidas quanto as primeiras. Algumas boas, outras indigestas, é claro! E tratei logo de dissipar as indigestas, evidentemente, pois não tenho e nem quero um estômago pós-moderno. Vi-me em sutil conflito comigo mesmo, é verdade. Mas logo me resolvi, por um tempo indeterminado como sempre ocorreu em qualquer época. Eu queria ou não queria permitir tal transformação? E eu tinha escolhas?

A verdade é que hoje já não me encontro mais nestas questões liminares. Reencontrei meu chão. E me surpreendi como algumas convicções passaram por tudo isso intactas nesse processo, ainda que eu me veja como outro. Um outro de mim mesmo bastante amadurecido. Gostaria de retomar o tema e acontecimentos neste espaço, sobretudo os elementos da mudança, como se numa escrita retroativa. E não me refiro à geográfica.

* Sem revisão.

Um comentário:

Bruna Hercog disse...

Que bom poder partilhar da profundidade e delicadeza que nasceram do seu silencio. Ou, talvez, do seu grito de dentro. Do seu barulinho de alma... muito lindo, querido, muito forte. Totalmente identificada com o seu processo... um beijo bem grande!