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quarta-feira, abril 30, 2008

Caubóis


Sentou-se à mesa de uns conhecidos no Cafe de la Paix. Amigos mesmo eram dois ou três sentados ali, os outros eram meros potenciais. Pediu esbaforido uma cerveja ao garçom sem olhar para quem estava ao seu lado. Nem a cumprimentou e, certamente, ela achou isso indelicado. E era. A garganta pedia a porção mágica amarela e o corpo já desobedecia qualquer negação. "A bebida amarga deleta mágoa", dizia seu pai - lembrou. Assim que a cerveja chegou, serviu-se e bateu levemente o fundo do copo na mesa, girando-o, rapidamente, a fim de retirar aquele excesso de gotículas que se formam fora dele. Nada mais que um incômodo qualquer. Em verdade, nem incomoda tanto, deve ser só mais uma dessas atitudes mecânicas de se prevenir de qualquer aborrecimento desprezível. "Por que os homens costumam bater o copo assim na mesa quando bebem? Seria uma necessidade de auto-afirmação da virilidade?", quebrou o gelo e desdenhou, ela. "Meu Deus!" Pensava estar, ali, longe de qualquer indagação antropológica e, injustamente, viu-se pensado como um bruto caubói fora-da-lei em boteco de beira de estrada do faroste que, de certo, coça o saco sem haver, de fato, a coceira no saco, escarra a cada minuto e o mais alto que puder, e muito menos bebe leite em público por ser coisa de mocinho - Seria, esta, uma propaganda subliminar em prol da lei seca norte-americana? Não vem ao caso. Enfim, voltando ao conto... De repente, percebeu-a com sua assustadora indagação de gênero e desculpou-se por não ter lhe dado a mínima, até então. "Um brinde!" Não bastou meia metade de hora para contrariar novamente os dizeres do pai. Aceitou sem parcimônias a representação que dele fez ela e, contraditoriamente, isto serviu, momentos depois, como uma oportuna máscara; destas descartáveis que encontramos desatentos por ai. Ela sorriu.


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