Eu estava em um modesto portuário, creio que era meio da tarde, sol baixando. Ou subindo. Estava com minha pequena mochila caminhando vagarosamente e desnorteado. Tranquilo, porém sem rumo. Tomei a fila para comprar o bilhete do barco que nos levaria a uma pequena vila localizada numa ilhota chamada Pariconha, no meio do oceano. Aquele era um dos dias mais serenos da minha vida, assim sentia.
Junto a esta paz, um tanto estranha, sentia-me perdido noção de tempo e espaço. Não havia passado nem futuro referente. Era apenas um viver, um simples viver com as mínimas capacidades do corpo, do andar, do olhar, do respirar, do sentar, do contemplar. Nada mais me preocupava. Não tinha nenhum projeto, nem uma ânsia sequer do que fosse ocorrer segundos após eu pensar na existência dos minutos.
Era um dia nublado, pouca luz, o suficiente para não doer os olhos, nem comprometer a vista. Peguei meu bilhete e ao virar-me para trás, uma semi-amiga de colégio ali estava com os mesmos propósitos. Jamais havíamos conversado senão coisas fortuitas de quem se encontram e falam por mera educação. Pegamos o barco e conversamos muito, não compartilhávamos os temas de nossas vidas particulares, falávamos simplesmente das ausências dela e do enigma que unia, de algum modo, nós dois naquela ocasião.
Chegamos na ilhota, andávamos e andávamos pela areia, sem objetivo maior senão um explorar corsário mútuo. De repente eu me lembrei, ainda assim uma lembrança difusa e incerta. Eu a avistei, penso, pela primeira vez na penumbra do auditório do colégio, enquanto não começava a peça, todos já acomodados, olhei para trás distraído e congelei vidrados olhos rumo a uma poltrona logo atrás. Perdi, por alguns segundos, qualquer idéia vã de tempo e de espaço.
Até então, foi o maior dos mistérios que já enfrentei. Sequer sei o que de fato aconteceu com meu espírito. Aliás, foi naquele instante que veio à tona em mim a crença de que eu tinha alguma coisa além do corpo, alguma coisa que naquele momento queria saltar corpo afora indomavelmente. Até hoje. Perdi de repente a lembrança e o cenário da ilha reapareceu. Na modesta vila, não conhecíamos ninguém, mas por qual razão estávamos ali? Continuamos a andar e a dividir os mais curiosos segredos.
Por tanto tempo, por tanto tempo... Perguntávamos por que apenas compartilhávamos os olhos, esperando alguma reação involuntária da alma, em tomar alguma vida própria para fazer o que nossos corpos por si sós não conseguiam. Não aconteceu. Alguém passou e disse, sonho, meus queridos, por melhor que seja, se acordarmos subitamente, antes do clímax, não volta mais, já era. Mesmo que fechemos os olhos forçando tudo novamente para cairmos na mesma situação de onde paramos, jamais acontence como outrora tão fiel. Entrega-lhe algo novo, momento outro, gente outra e, muitas vezes, tão enfadonho e qualquer. O sonho só nos dá uma chance, e não tolera quem a perde. Portanto, jamais resistam ao sono tranquilo.
No final, onde a luz se excedia, e se extinguia para outros, pegamos o barco de volta ao continente com bilhete falso, e fomos... fomos cada um a vagar por outros ares, escolhendo os lugares opostos por geografia e por conceito. Sem nos ter entendido muito bem, nem sequer garantido os meios óbvios para algum futuro contato. Acordamos, intolerantes. Sem outra saída, senão abraçando a rotina e beslicando a bebida, no bar, junto aos enigmas dessa sina. Ah, Linklater, porque ficamos de fora?
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