Foi dormir em vão como em todas as outras noites . Já havia passado vários anos e sua altura já não era a mesma, seu rosto já não era polido e sua visão já se ofuscava diante de tanta claridade . O cansaço já lhe tremia os pés . Podia não ser mais o mesmo para se lembrar de muitas coisas. Entretanto , uma em particular permanecia intocável em sua enfraquecida memória , como a peça rara de um obcecado colecionador . A emoção era a mesma desde que havia sido reconhecido, diante da multidão , num chamejante encontro de olhar advindo de um majestoso abraço delicado . Era ela , era ele e mais ninguém em todo aquele ruído infernal. Tantos anos se passaram e, em sua fatigada velhice, este pensamento fotográfico da juventude insistia em vir à tona momentos antes de dormir . Todos os dias . Levantava, como de costume, para beber um pouco d'água enquanto respirava o ar da madrugada taciturna , questionando-se onde estaria ela, com quais companhias e se estaria feliz. Adoraria revê-la para saber . Sem respostas , sempre volta para a cama frustrado e atropelado pela nova realidade que compunha sua cansada rotina: a longa distância que o mundo do trabalho impunha aos dois . Ele nunca se realizou com ela, por não ter tido força em arrancar da garganta tudo aquilo que ele segurou e que não era dele... Eram dela aquelas palavras estupidamente censuradas. Era , definitivamente , um lasso por excelência e merecia o que passava, diriam muitos que o conhecera, e com razão. Este homem envelhecido se amenizava sempre que frequentava o mar, para escutar os seus trovões espumados , fosse dia ou fosse noite , refletindo sobre como ele havia se rarefeito numa absurda insistência de juntar o ilusório encontro entre o céu e o mar . E ao retornar para casa, tornava-se leve, tanto quanto as diminutas nuvens algodoadas daquela noite, quando conseguia o ansiado sono ao descansar a face no travesseiro.
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