Vestiu-se com sua melhor roupa , perfumou-se bem , e saiu com equivalente alegria de um soldado , coagido à guerra , que retorna vivo para reencontrar sua saudosa família . Foi ao aniversário em companhia de um primo de outra cidade que chegou para visitá-lo. A festa estava boa, muita bebida , comida e músicas dançantes. Paulinho estava irradiante e ansioso , claro , pela chegada de Gabriela, usando o seu melhor perfume e, não diferente de todos , sua melhor roupa . Enquanto conversava com alguns amigos , olhava inquieto para a porta de entrada até ela aparecer com sua aura estonteadora. Chegou. Silenciou boa parte dos vulgares meninos presentes que conversavam em grupos sobre estratégias horrendas e baratas de conquistas . Ele suou frio e não conseguiu controlar a disritmia. Seu primo logo apontou:
- Vá lá , não se preocupe comigo . Eu já conheci boa parte de seus amigos e vou aproveitar para dar uma volta e conhecê-los mais um pouco .
- Certo , volto logo . Vou falar com ela senão enlouqueço com tanta ansiedade .
Foi ensaiando o que dizer porque estava apreensivo em demasia , já acusava a leve tremedeira nas gélidas mãos . Era amor ? Era amor à primeira vista . Nunca tinha sentido tanto sentimento comprimindo-lhe de uma vez o tórax assim que se mudou para o novo condomínio . Estava conhecendo os novos vizinhos e, de repente , entre eles , avistou-a passeando com seu cachorrinho há uns cem metros de distância . Ali, o mundo tinha se acabado , menos ele e ela . A sensação foi de que o corpo tinha levado uma descarga elétrica de um segundo apenas , mas que seria de efeito transformador , agradável e de longos anos . Assim que se aproximou, na festa , após superar , como fabuloso herói , as suas barreiras quase intransponíveis de timidez , ela o cumprimentou com olhos evasivos , congelantes e pouco interessados, beijou-lhe a face, brevemente, e seguiu andando para saudar as outras pessoas . Desfilava com rutilante sorriso enquanto ele , que ficava para trás , flutuava em um escuro e ecoado abismo; em um silêncio sem dentes , sem dar um passo atrás ou à frente . Perplexo . Nada entendeu daquela rocha gélida, que há poucas horas se travestia numa árvore frondosa em plenitude de verão . Danou-se. Ao longo da festa , Paulinho tentou umas cinco vezes ensaiar alguma aproximação em que ao menos pudessem prosear um pouco . Não conseguiu uma sequer . Era só mais um e não tão competitivo pretendente a quem ela poderia dar especial atenção naquela noite .
Paulinho logo saiu à francesa. Saiu assim de pura vergonha , pois todos sabiam do motivo evidente de sua súbita presença . Resmungava no caminho de casa. Por que diabos ela havia me dado o presente e insistido para que viesse à festa ? Por que diabos ela me tratou daquele jeito ? Pediu que o primo ficasse para aproveitar a comemoração, voltou para casa e se trancou no quarto assim que chegou. Chorando pingos tristes , num olho raiva , noutro frustração , jurava tudo o que não podia cumprir , – vou deixar de amá-la! Vou me curar deste erro terrível em que me meti! Dizia estas bobagens para si mesmo aos soluços embaixo da coberta , como uma criança impotente diante do castigo injusto imposto pelos pais . Paulinho sentia-se tomado pela cólera. O corpo doía de tamanha desilusão, diante de mais um , dentre tantos descasos dela. Ele os colecionava em sua insistência . A janela do seu quarto era no quinto andar e tinha uma vista para uma rua taciturna e de boas penumbras . Lugar , no mínimo , agradável para presentes e futuros amantes . Enquanto atormentava-se com a paixão fulminada, ouvia vozes de mais um casal que namorava lá embaixo . Resolveu ir até a janela pedir silêncio porque a alegria daqueles pássaros lhe agulhava, cada palavra doce dita contribuía para agudar sua amargura. Só podia sentir imensa inveja do que ouvia baixinho de lá. E assim que olhou para baixo , na penumbra da amendoeira vistosa, fitou-os vendo aquilo que não comportaria jamais em sua imaginação prejudicada : Gabriela e o primo em busca da felicidade ...
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