Elisa está ociosa em casa. Abre o facebook. Rola a timeline. Muita bobagem publicada, algumas boas e outras inclassificáveis. Chama a atenção uma fotografia compartilhada. Lê. Está frente a uma conversa amena entre duas pessoas. Surreal. Não, não, é real. Na imagem congelada, o momento exato em que um suposto palestino, com colete de imprensa, surpreende um soldado israelense por trás, esfaqueando-o. O fotógrafo registra o momento exato, a uns cem metros, em um ângulo não muito evidente. Não se consegue ver tudo. Próximo dali, um outro soldado corre para detê-lo. Em vão, talvez. Logo atrás dos três envolvidos, ao fundo da imagem, há um veículo pesado das forças armadas israelenses, parado. Diálogo: - Veja essa foto. - Putz! Gostei do carro! - Olhe direito! - Que filho da puta! Caralho. Porém, excelente foto! Gostaria de ver a sequência, ele deve ter sido cortado ao meio. - Só não ficou melhor porque não dá pra ver a faca (risos). - Como diria um fotógrafo, "se a foto não ficou boa é por que você não estava perto o suficiente". - Quem é doido pra ficar perto? - Eu! [...] Elisa, perplexa, lembrou de um caso. Em 1994, Kevin Carter ganhou o Pulitzer na Europa por uma foto clicada na África. Via-se um sol escaldante, uma criança desnutrida moribunda e um abutre inerte espreitando a morte. A fome e a morte. Uma criança e dois caçadores. O fotógrafo sentou à beira de uma árvore, no conforto da sua sombra, e, paciente, aguardou o momento perfeito, por horas. Dois destinos se confrontam - três. Alguns anos depois, Carter se matou, Kong Nyong sobreviveu e o abutre voou, creio. Caiu em si, o fotógrafo. Não suportou o dilema moral das suas prioridades. A barbárie premiada.
segunda-feira, outubro 19, 2015
Barbárie
Elisa está ociosa em casa. Abre o facebook. Rola a timeline. Muita bobagem publicada, algumas boas e outras inclassificáveis. Chama a atenção uma fotografia compartilhada. Lê. Está frente a uma conversa amena entre duas pessoas. Surreal. Não, não, é real. Na imagem congelada, o momento exato em que um suposto palestino, com colete de imprensa, surpreende um soldado israelense por trás, esfaqueando-o. O fotógrafo registra o momento exato, a uns cem metros, em um ângulo não muito evidente. Não se consegue ver tudo. Próximo dali, um outro soldado corre para detê-lo. Em vão, talvez. Logo atrás dos três envolvidos, ao fundo da imagem, há um veículo pesado das forças armadas israelenses, parado. Diálogo: - Veja essa foto. - Putz! Gostei do carro! - Olhe direito! - Que filho da puta! Caralho. Porém, excelente foto! Gostaria de ver a sequência, ele deve ter sido cortado ao meio. - Só não ficou melhor porque não dá pra ver a faca (risos). - Como diria um fotógrafo, "se a foto não ficou boa é por que você não estava perto o suficiente". - Quem é doido pra ficar perto? - Eu! [...] Elisa, perplexa, lembrou de um caso. Em 1994, Kevin Carter ganhou o Pulitzer na Europa por uma foto clicada na África. Via-se um sol escaldante, uma criança desnutrida moribunda e um abutre inerte espreitando a morte. A fome e a morte. Uma criança e dois caçadores. O fotógrafo sentou à beira de uma árvore, no conforto da sua sombra, e, paciente, aguardou o momento perfeito, por horas. Dois destinos se confrontam - três. Alguns anos depois, Carter se matou, Kong Nyong sobreviveu e o abutre voou, creio. Caiu em si, o fotógrafo. Não suportou o dilema moral das suas prioridades. A barbárie premiada.