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domingo, outubro 18, 2015

Pausa para Neruda


"A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai fundamentando, numa longa circunstância, a perpetuidade do ser. Meu excessivo acanhamento, meu ensimesmamento prolongado durou mais que o necessário. Quando cheguei à capital fiz aos poucos amigos e amigas. Quanto menos importância me concediam, mais facilmente lhes dava minha amizade. Não tinha nesse tempo grande curiosidade pelo gênero humano. Não posso chegar a conhecer todas as pessoas deste mundo, me dizia. [...] Entre as pessoas que me procuravam estavam dois grandes esnobes da época: Pilo Yañez e Nina. Encarnavam o exemplo perfeito da bela ociosidade em que eu gostaria de viver, mais distante que um sonho. Pela primeira vez entrei numa casa com calefação, luzes suaves, poltronas confortáveis, paredes repletas de livros cujas lombadas multicores significavam uma primavera inacessível. Os Yañez me convidaram muitas vezes, gentis e discretos, sem fazer caso das minhas diversas camadas de mutismo e isolamento. Voltava contente de sua casa, eles o notavam e voltavam a me convidar." 

Pablo Neruda
Confesso que Vivi, p.38-39