11h05min. Eu não sei o que me deu, não sei, preciso falar com meu pai - balbuciava para a perplexa diretora, que o conduzia pelo braço à sua sala, acalmando-o, com muito medo das consequências. Enquanto isso, líquido quente e escuro escorria entre os dedos, lá na sala. Corpo deitado no chão. O supercílio foi cortado com a forte pancada provocada pela cadeira arremessada por Augusto. O que você fez?! Um silêncio agudo por um momento prevaleceu na sala. Os colegas estatelados logo perceberam a estupidez a que chegaram no incentivo coletivo ao embate entre aluno e professor. Mas longos dias libertários seguiram-se a este. Um novo espectro reflexivo, aproveitando-se ou mesmo provocando aquele choque, parece ter se apossado do lugar. Os alunos tomaram seus assentos, cabeças baixas, como se estivessem prestes a começar um exame. Mas era apenas constrangimento pela perdição juvenil arrogante a que chegaram. Pediram sinceras desculpas e seguiram mais cheios de dúvidas, como todo bom aprendiz deve ser.
10h20min. Esses comunistas de merda estão acabando com o meu país! E você é um esquerdopata colocado aqui pelo governo corrupto! Vá pra Cuba, professor, vá pra Cuba!! Mas não vivemos nenhum comunismo, Augusto, muito pelo contrário - relutava paciente, o professor. Vá pra Cuba! Compreenda, estou, como seu professor, pontuando-lhe as razões pelas quais isso que você está dizendo pra nós não possui guarida na realidade histórica e contemporânea. Em que você se baseia para afirmar isso, Augusto? Exemplifique pra gente. O aluno não consegue reagir. Aliás, consegue: vá pra Cuba! Repetia, autômato. A crise que vivemos é fruto das contradições internas do próprio sistema econômico predominante - o professor argumentava com muitos exemplos periciais, oriundos dos EUA e Europa. Era um dos poucos com doutorado naquela escola de bairro nobre, motivo de um bom salário incomum aos pares. Continuou. Além disso, Augusto, o comunismo, tal qual é esboçado teoricamente, nunca foi concretizado. Antes de acontecer, foi corrompido por burocratas imperialistas competitivos com seus simétricos sósias ocidentais. Basta perceber que um dos primeiros grupos a serem perseguidos dentro desses sistemas foram os revolucionários. Fizeram deles bodes expiatórios que reverberam até hoje, o caso de Trótski é exemplar. Recomendo-lhe a leitura de 'O homem que amava os cachorros', Augusto, você pode se surpreender. Você está mentindo, professor! Você quer enganá-los! - E apontava o dedo para seus colegas. Já que pode haver comunismo, porque não pode haver fascismo? Veja bem, Augusto, acredito que você está um pouco confuso, e eu estou aqui para te ajudar, não quero te prejudicar em nada. O professor se esforçava, em vão. A pancada foi muito forte, desabou.
08h10min. A diretora outrora sensível - pressionada nas reuniões de pais nas últimas semanas - tentava convencer o colega subordinado a não dar início e retirar do programa aquela unidade da aula de Filosofia, adaptando-a com novo conteúdo sugerido por um influente pai, juiz, também professor numa faculdade particular da cidade. Ele, praticando a sua política tácita e cínica, convenceu a todos da necessidade de substituição dessa unidade pelo ensinamento de uma corrente de pensamento anarcocapitalista, algo que apenas alguns poucos no mundo seguiam - dizia-lhe. Os pais, adestrados pela oratória e aparência próspera do magistrado, passaram a repudiar a suposta doutrinação de um professor que era líder do movimento pela campanha salarial e melhorias nacionais na educação. Reclamavam, agora também autômatos, que isso não servia para nada e produziria apenas filhos indisciplinados, como ele próprio se apresentava. O filósofo resistiu: diretora, lembra que esse pai foi aluno do meu? O programa era similar nesse aspecto. Ela ficou muda, depois assentiu. Prossiga.
10h20min. Esses comunistas de merda estão acabando com o meu país! E você é um esquerdopata colocado aqui pelo governo corrupto! Vá pra Cuba, professor, vá pra Cuba!! Mas não vivemos nenhum comunismo, Augusto, muito pelo contrário - relutava paciente, o professor. Vá pra Cuba! Compreenda, estou, como seu professor, pontuando-lhe as razões pelas quais isso que você está dizendo pra nós não possui guarida na realidade histórica e contemporânea. Em que você se baseia para afirmar isso, Augusto? Exemplifique pra gente. O aluno não consegue reagir. Aliás, consegue: vá pra Cuba! Repetia, autômato. A crise que vivemos é fruto das contradições internas do próprio sistema econômico predominante - o professor argumentava com muitos exemplos periciais, oriundos dos EUA e Europa. Era um dos poucos com doutorado naquela escola de bairro nobre, motivo de um bom salário incomum aos pares. Continuou. Além disso, Augusto, o comunismo, tal qual é esboçado teoricamente, nunca foi concretizado. Antes de acontecer, foi corrompido por burocratas imperialistas competitivos com seus simétricos sósias ocidentais. Basta perceber que um dos primeiros grupos a serem perseguidos dentro desses sistemas foram os revolucionários. Fizeram deles bodes expiatórios que reverberam até hoje, o caso de Trótski é exemplar. Recomendo-lhe a leitura de 'O homem que amava os cachorros', Augusto, você pode se surpreender. Você está mentindo, professor! Você quer enganá-los! - E apontava o dedo para seus colegas. Já que pode haver comunismo, porque não pode haver fascismo? Veja bem, Augusto, acredito que você está um pouco confuso, e eu estou aqui para te ajudar, não quero te prejudicar em nada. O professor se esforçava, em vão. A pancada foi muito forte, desabou.
08h10min. A diretora outrora sensível - pressionada nas reuniões de pais nas últimas semanas - tentava convencer o colega subordinado a não dar início e retirar do programa aquela unidade da aula de Filosofia, adaptando-a com novo conteúdo sugerido por um influente pai, juiz, também professor numa faculdade particular da cidade. Ele, praticando a sua política tácita e cínica, convenceu a todos da necessidade de substituição dessa unidade pelo ensinamento de uma corrente de pensamento anarcocapitalista, algo que apenas alguns poucos no mundo seguiam - dizia-lhe. Os pais, adestrados pela oratória e aparência próspera do magistrado, passaram a repudiar a suposta doutrinação de um professor que era líder do movimento pela campanha salarial e melhorias nacionais na educação. Reclamavam, agora também autômatos, que isso não servia para nada e produziria apenas filhos indisciplinados, como ele próprio se apresentava. O filósofo resistiu: diretora, lembra que esse pai foi aluno do meu? O programa era similar nesse aspecto. Ela ficou muda, depois assentiu. Prossiga.