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sábado, março 05, 2016

Sumários


Sentaram-se à mesa. Há pouco saídos de uma prova de seleção de pós, exaustos, tão exaustos que daí surgiu uma empatia instantânea; e uma disposição para entabular conversa amena no bar mais próximo. No início foi um campo exploratório, como de costume. Veio à boca primeira polêmica. Lascou-se. Ambos se examinando como dois times em início de jogo. Começa. Opiniões fortes. Diferentes. Palavras bonitas e cirúrgicas intercalam. Citações aparecem para reforçar as respectivas crenças. Dândi aqui, militante acolá. Eu precisava urgentemente de um dicionário. Já estava habituado ao temperamento dos meus fregueses. Sabia o que estava por vir. Minutos depois domina a sobreposição delas, das falas. Intermitência apenas quando o garçom se aproxima. Muitos 'mas,' e 'porém,' começam a prevalecer a cada exame etilizado. O cenário de crise política e econômica mutuamente alimentadas contribui - tenso. Eu mesmo já evito falar sobre isso, é perigoso. "Um enxerga mais além. O outro ouve mais além" - pensa na base do riso discreto a cliente da mesa ao lado, recostada em seu calhamaço ali descansado, crente de que ela julga mais além. Ser eee... e... acho que é Tempo, está um pouco longe daqui do balcão. Faltava a um aquilo que transbordava no outro, e vice-versa. Complementos que não se desejam complementos. Como anular com sinceridade o instinto latente pelo silêncio alheio, perguntou-se. Ela. Desejo quando vira autoridade... Eles já não se perguntavam mais nada àquela altura. Ironias e chacotas pessoais. Certezas ou, no máximo, consenso dissimulado. Assimetrias. A mente é tão complexa, talvez seja por isso que focamos tanto no corpo - ela. Quando há desentendimento com este ao menos tentamos resolver com as coisas inanimadas - ainda ela. Bem mais fácil assim. De repente um se levanta, vai ao banheiro e demora um pouco. O outro permanece pensando, do outro. Escapa um audível resmungo: "que sacana...". A feição contrariada. Ele volta mais calmo, o do banheiro. Após um notável silêncio, começam a rir. Falam da goleada no último clássico do futebol local. Sem nenhuma animosidade, ainda que rivais ferrenhos. "Que relação engraçada..." - ela. "Que situação..." - ele.